quarta-feira, 9 de abril de 2008
Por Verônica Viana (Arqueóloga)
03 de abril de 2008
ImageDurante realização de prospecção arqueológica de superfície na área destinada à construção de 3 (três) usinas eólicas da empresa Bons Ventos, localizadas no município de Aracati, entre a praia de Canoa Quebrada e a localidade do Cumbe, descobrimos 71 ocorrências arqueológicas, entre 53 sítios arqueológicos e 19 áreas vestigiais. Esta quantidade pode ser superior tendo em vista que este trabalho foi realizado no primeiro semestre quando os ventos são mais brandos na costa cearense. Um diagnóstico realizado na segunda metade do ano poderá duplicar a quantidade de sítios, tendo em vista que sob a ação dos alísios de SE, que remobilizam um volume maior de areia, sempre novos sítios são descobertos, conforme tivemos oportunidade de observar em outros trechos do litoral oeste. As evidências atestam uma longa ocupação da zona estuarina do Jaguaribe, nosso principal recurso hídrico, iniciada por volta de 5000/6000 AP (Antes do Presente) quando a retomada paulatina da tropicalização na área litorânea transformou áreas inóspitas em ambientes privilegiados de ocupação. As ocupações dos arcaicos marisqueiros deste período inicial foram seguidas por ocupações de grupos ceramistas Tupi e Tapuias e, em momentos mais recentes, por instalações dos séculos XVIII e XIX. A diversidade verificada na cultura material atesta a confluência de etnias distintas que certamente disputavam os melhores sítios de coleta de moluscos e outros recursos marinhos.

Em virtude da expressiva quantidade de sítios detectada no local e da grande diversidade de vestígios, representada por adornos, fusos, pesos utilizados na atividade de pesca, vasilhas cerâmicas, instrumentos lascados, cachimbos, lâminas de machado polido, estes últimos só encontrados de forma descontextualizada em museus cearenses, nosso diagnóstico foi desfavorável à construção de qualquer empreendimento no local solicitando que a área fosse destinada a pesquisas acadêmicas sistemáticas.

Hoje nos preocupa o fato de que todo o litoral cearense, repleto de sítios arqueológicos em seus 573 quilômetros, esteja mapeado em vários pontos da sua extensão por empresas de energia eólica que sob a égide da “energia limpa” provocarão a destruição de sítios arqueológicos milenares.

Preocupa-nos também o fato de que, apesar do grande número de áreas arqueológicas já identificadas no Ceará, as pesquisas ainda sejam bastante incipientes, diferentemente do que ocorre em todos os outros estados do Brasil. Com isso, os vestígios deixados pelos antigos habitantes do território relacionado ao atual ainda não foram objeto de investigações contínuas por meio de elaboração de teses. Tal problemática tem a ver em grande escala com a falta de interesse das universidades públicas do Ceará (UFC, UECE, URCA, UVA) para com as pesquisas arqueológicas, que sendo uma atividade exclusivamente científica deve ser gerenciada pelas universidades e não por empresas particulares.

Desta forma, entendemos que os trabalhos de arqueologia no Ceará não podem restringir-se às intervenções emergenciais da arqueologia de salvamento, impondo-se a necessidade urgente de pesquisas arqueológicas acadêmicas para que tenhamos um maior aproveitamento das informações obtidas por meio de pesquisas que se estendam por um período mais longo. Como não contamos com pesquisas arqueológicas acadêmicas, a arqueologia cearense está entregue tão somente à arqueologia de salvamento. O nosso receio neste momento é que muitas informações sejam perdidas antes que tenhamos oportunidade de sistematizar estes estudos face às exigências dos grandes empreendimentos.

Posicionando-nos também contra o empreendimento das eólicas de Aracati, tendo em vista que o tempo necessário ao salvamento dos sítios arqueológicos seria inconciliável com os prazos propostos pelo empreendedores que pretendem entregar a obra em dezembro de 2008, inviabilizando qualquer atividade preliminar nos sítios antes da chegada das máquinas. Neste caso, seríamos obrigados tão somente a trabalhar em concomitância com a obra, procedimento este que seria desastroso para a salvaguarda do patrimônio arqueológico local.

Convém lembrar que em arqueologia de salvamento é comum proceder ao acompanhamento da obra para verificar a presença de vestígios em profundidade, porém em empreendimentos eólicos este procedimento é inviável, tendo em vista que as máquinas abrem verdadeiras crateras em áreas de sedimentos não consolidados (dunas). Isto não permite a visualização das estruturas e vestígios por parte do arqueólogo e por outro lado põe em risco a segurança do mesmo. Este aspecto é fundamental para lembrarmos a necessidade de estudos anteriores à construção de um empreendimento desta natureza.

O IPHAN do Ceará e de Brasília, representados pelos técnicos Olga Paiva e Rogério Dias, inclusive não aptos a dar um parecer arqueológico, tendo em vista não possuírem formação na área, desconsideraram nosso diagnóstico com receio de serem chamados para prestar contas com a Casa Civil da ministra atualmente posta na berlinda e oportunizaram a entrada de uma equipe na área para proceder apressadamente ao resgate arqueológico dos sítios, sem antes abrir uma discussão mais ampla sobre os nossos resultados. Discussão esta que deveria envolver a nossa equipe, um arqueólogo do IPHAN e outras instituições acadêmicas com tradição em arqueologia, como a USP e a UFPE, por exemplo, além das universidades locais e o Ministério Público, pois afinal de contas, as descobertas nos colocaram diante de uma situação excepcional, tendo em vista o significativo potencial da área e o grande impacto de construção deste empreendimento, erroneamente compreendido como mínimo.

Ampliando a nossa visão, entendemos também ser imperativa e emergencial uma ampla discussão acerca do impacto ambiental gerado pela construção das eólicas em áreas de preservação permanente (dunas e restingas – Resolução Conama 303/2002) vedadas ao uso econômico e caracterizadas pela intocabilidade (Resolução Conama 369/2006).

A construção provocará impacto aos campos de dunas móveis da região, um dos mais expressivos do Estado, fundamentais na dinâmica da zona costeira e no controle dos processos erosivos (Resolução Conama 341/2003).

No mais, a execução do empreendimento interferirá drasticamente na excepcional beleza cênica e paisagística das dunas do Cumbe, Barra do Aracati e Canoa Quebrada com a alocação de 67 aerogeradores (cataventos).

No tocante aos aspectos arqueológicos, vale lembrar ainda que o IPHAN recebeu um Plano de Resgate dos Sítios Arqueológicos elaborado pelo arqueólogo Walter Morales sem que ele e a sua equipe tivesse estado na área para visualizar as ocorrências, compreender a natureza dos processos de deposição e pós-deposição ali evidenciados, da distribuição espacial das ocorrências, para propor um cronograma e uma metodologia adequada. Da mesma forma, sem ter ainda postos os pés no local, a equipe teve um orçamento aprovado pela empresa responsável pelo empreendimento.

O que nos impressiona é que quando se é contratado por empresas públicas ou privadas para execução de trabalhos, uma das exigências primordiais, inclusive listada em editais, é que o contratado entregue declaração de que conhece a área, de que já esteve no local, correndo-se o risco de ser penalizado caso o conteúdo da informação não seja verdadeiro.

Gostaríamos também de aproveitar esta oportunidade para sugerir que as universidades públicas cearenses (UECE, UFC, URCA,UVA) saiam da letargia em que se encontram na atualidade e assumam juntamente com a sociedade e os órgãos legais e culturais, a defesa do patrimônio arqueológico local que com os seus vestígios funcionam como um elo entre as sociedades passadas e atuais. Estas últimas devem ter acesso às informações acerca deste valioso bem cultural.



Verônica Viana (arqueóloga)

Manuelina Duarte (arqueóloga)

Valdeci Santos (arqueólogo)

Karlla Soares (Historiadora)

Luci Danielli A. de Sousa (Historiadora)

Daniel Luna Machado (Historiador e Mestrando em Arqueologia)

Igor Pedroza (graduando em história UECE)

Cibele Nascimento (graduanda em história UECE)


www.luacheia.art.br
quarta-feira, 2 de abril de 2008

O Ministério Público de Aracati tem sido fundamental para o aprofundamento de questões relativas a preservação do patrimônio histórico e cultural aracatiense em face de seu princípio constitucional. Desde novembro de 2007, com a realização da mesa redonda sobre Patrimônio Histórico e Cultural de Aracati, que o assunto vem sensibilizando as instâncias municipal, estadual e federal, bem como aglutinando movimentos civis organizados a exemplo do Fórum de Cultura de Aracati. Para falar mais sobre o assunto entrevistamos o Promotor Dr. Alexandre Alcântara para expor os resultados, ações e mobilizações efetivadas pelo MP.

Em novembro de 2007 o MP realizou uma mesa redonda para discutir o patrimônio cultural de Aracati. Passados 4 meses da realização daquele encontro, que frutos foram colhidos?

Dr. Alexandre- Primeiro, possibilitou a discussão da questão entre o Poder Público- União/Iphan, Estado (secretarias de cultura e cidades e municipio de Aracati e a sociedade. No último dia 18 de março fizemos um resumo da mesa redonda para o COEPA (Conselho Estadual de Preservação patrimonial) e sensiblizamos seus membros, inclusive o Secretario de Cultura do Estado, Prof.Auto Filho, que manisfetou total apoio a nossa causa. O deputado Estadual, Heitor Ferrer requereu uma audiência pública na Assembéia legislativa para debater a questão, com data a ser definida para breve. Na semana passada, entramos na fase de ajustamento de condutas, onde já conseguimos: Município: 1. A desapropriação para fins culturais do Teatro Francisca Clotilde, bem como uma reforma emergencial, 2. A contratação de um arquiteto que sob a orientação do IPHAN implantará um núcleo de preservação patrimonial no municipio, 3. O compromisso do municipio de procurar integrar-se ao projeto Monumenta, do MINC.; Estado do Ceará: 1. Os representantes das secretarias das cidades garantiram a retomada imediata das obras da biblioteca regional, 2. O secretário Auto Filho garantiu que envidará todos os esforços para o municipio ser contemplado pelo Projeto Monumenta e já comprou 30 (trinta mil) livros para a nossa biblioteca regional; União (IPHAN) 1. A Dra. Olga Paiva, Superintendente do Órgão garantiu a retomada imediata das obras do Museu Jaguaribano; Também foram feitos ajustamentos de condutas com a Coelce e Cagece para adeguação de seus medidores na área tombada, e nesse sentido já está sendo feito um estudo técnico. A convite do Deputado Federal José Airton Cirilo, no próximo dia 1 de abril estaremos em Brasília discutindo toda essa questão com o Presidente do IPHan, Dr. Luiz Fernando.

Qual o papel do MP no processo de preservação do sítio histórico de Aracati?

Dr. Alexandre-Somos um parceiro da sociedade civil, que tem a possibilidade de fazer pressões jurídicas para que as coisas aconteçam. Acredito que toda essa articulação que estamos fazendo será muito importante para a cidade.

Qual a maior dificuldade em se trabalhar com o conceito de preservação?

Dr. Alexandre-Educação. Antes de tudo é preciso que as pessoas compreendam o valor de nosso patrimônio, e assim haverá preservação.

O MP integra o Fórum de Cultura de Aracati, espaço democrático para as discussões dos mais variados temas ligados a cultura aracatiense. Espaços de discussão como o Fórum de Cultura são importantes para o empoderamento da sociedade.

Dr. Alexandre-Não resta a menor dúvida.

O Fórum de Cultura de Aracati, lançou no final de 2007 a campanha "O espetáculo não pode parar" que tem como meta a realização de serviços emergenciais no Teatro Francisca Clotilde (Antigo Cine Moderno de Aracati). Fale-nos um pouco dessa experiência?

Dr. Alexandre-O teatro Francisca Clotilde tem um valor fundamental para o conjunto dos bens tombados na cidade, pois deverá ser restaurado e voltar a ser uma casa de espetáculos. Graças aos nossos esforços, o Município de Aracati fará as obras emergencias e o grande desafio agora é conseguir o financiamento da restauração, que inclusive já foi projetada pelo IPHAN.

O que seria necessário para a implantação de um turismo cultural em Aracati?

Dr. Alexandre-Acretido que se o Municipio fosse contemplado pelo Projeto Monumenta, esse TUrismo seria possivel, pois teríamos um grande leque de ações, deste a educação patrimonial até a restauração dos bens.

Em Aracati, percebemos o mal uso dos espaços públicos. Praças, largos, calçadas são utilizadas muitas vezes para o exercício de outras atividades, como por exemplo o comércio de bebidas e lanches. Isto por sua vez acarreta um série de problemas como a poluição sonora e visual, e o favelamento de espaços para o uso de toda sociedade. A revitalização destes espaços foi apontada como um dos ítens da carta documento do encontro realizado em 2007. O que foi feito a este respeito?

Dr. Alexandre-Cobramos do Sr. Prefeito municipal medidas para sanar o problema. É uma responsabilidade do municipio. Nesse sentido, no prazo de trinta dias será apresentado um projeto de recolocação dos quiosques do largo da Matriz.

O empobrecimento de nossa população dificulta o entendimento da necessidade destas intervenções?

Dr. Alexandre-É um problema enfretado em todas as cidades que têm patrimônio tombado.

Que ações o MP pretende realizar a curto, médio e longo prazo a fim de buscar solução para estas questões?

Dr. Alexandre-Estou otimista, mas se for preciso iremos às instâncias internacionais para resolver a questão.


Entrevista cedida pelo Promotor Dr. Alexandre Alcântara, do Ministério Público de Aracati, em 31 de março de 2008.


www.luacheia.art.br